Thursday, December 29, 2011

Quotidiano III



Se não estás, também não estou. Se não és, também não sou. Se não vais, também não vou. Sempre foi assim ... Todos os dias carrego em mim  o pouco de mim que sobrou e muito de ti que ocupou, sem nunca te procurar. Encontro-te em todas as esquinas, em todas as mesas e músicas lamechas. Em todas as fases da lua, pores de sol e calçadas de Lisboa. Sem precisar de experimentar não estar do teu lado. Antes foi assim. "Os defeitos nunca são maiores que nós, juntos", disseste-me. 
Experimenta estares sem nós antes de falares que sou um peso. Tu não o dizes, falas. Tu sem voz. Nunca precisaste de procurar-me. Estou em todas as tuas mesas, esquinas, músicas, fases da lua e pores do sol, sempre estive. Até a minha ausência pertence-te. Experimenta falares comigo e eu não estar para te ouvir. Experimentar meter os meus defeitos numa mão e a falta que eles te fazem noutra. 
Se não estás, não quero estar. A angustia de não ouvir a tua voz é mais forte que o som das minhas lágrimas no chão que pisaste. A tua ausência sente-se mais. O teu lugar é aqui. Aqui. Se não estás, deixo de saber onde quero estar. Experimenta fechares as mãos e não me teres para abraçar. Experimenta cair e quando te levantares não me teres a olhar docemente para ti. Experimenta deitares-te para dormir e não teres uma mensagem de "bons sonhos" minha. 
"Conheces alguém que quando fala diz tudo certo?". Conheço, retorqui. Tu eras assim para mim, perfeito aos meus olhos e mesmo quando não eras, as tuas palavras eram. Se te colocar nas mãos cabes nas duas, sem te dividir. Sem ter de balançar entre o que és de bom e o que és de mau. 
O teu silêncio ensurdece-me. Eu sei, já o experimentei. "Lembra-te, os defeitos nunca são maiores que nós, juntos", repetiste. Não sabes o peso da minha ausência na tua vida agora que me conheceste. Eu sei o peso da tua ausência na minha vida, experimentei-o. É como não ter vida, é ir vivendo até te encontrar de novo e me perder de novo no teu olhar controverso. Em todas as esquinas do meu pensamento.
Um dia irei partir para que possas sentir a minha ausência. Dentro de mim, continuarei a carregar-te, mas já não estarei em nenhuma mesa, calçada, esquina e música para me encontrares. Dentro de ti serei apenas a mágoa e angústia de algo que passou e não ficou ...


 "Façam o Favor de Ser Felizes"- Raul Solnado